Se há um objetivo comum nos últimos projetos de reforma da previdência é o de tentar, a todo custo, reduzir o denominado rombo crescente do sistema. As alegações alarmantes do campo conservador se convergem, de que é preciso ter uma idade mínima, de tornar mais rígidas as regras de acesso, de desvincular benefícios do salário mínimo, tudo isso por estar havendo envelhecimento populacional crescente, que pode levar o país a um colapso financeiro. Mas, indubitavelmente, a mudança do sistema de repartição para o de capitalização, talvez seja, dentre todos os caminhos, o mais tortuoso.
O Chile, país que conviveu quase 20 anos sob a guarda de um regime ditatorial, é o maior exemplo de fracasso dessa mudança de regime. Em 1981, o sistema chileno passou da forma de repartição para o sistema de capitalização dentro de um cenário com variáveis macroeconômicas importantes como, por exemplo, as mudanças no mercado de trabalho e no mercado de capitais, incentivados pelas administradoras de fundos de pensão, que passam a direcionar os recursos para o mercado de capitais, e pela redução nas taxas de contribuição, permitindo aos trabalhadores um ganho real de poder aquisitivo, incentivando o consumo.
Estruturado nos moldes estabelecidos pelo Banco Mundial, o sistema chileno configurou-se em três pilares básicos: o primeiro, público e financiado por impostos, com o objetivo de combate à pobreza; o segundo de fundos de pensão privados e financiados, baseados em uma estreita relaçãocontribuição/benefício; e um terceiro pilar, constituído pela poupança voluntária. O sistema não redistributivo, onde há participação do Estado como provedor de benefícios assistencialistas, só acontece no primeiro pilar, os demais pilares contribuiriam para diminuir o deficit da previdência.
De forma categórica é possível perceber que desde o início da privatização, devido ao crescente aumento dos gastos com aposentadorias, a reforma, além de não conseguir resolver o problema fiscal no Chile, desencadeou um agravante, só consumado três décadas depois: a falta de recursos para pagamento de aposentadorias, inclusive acarretando recordes de depressão e suicídio entre os mais velhos. A capitalização vem devolvendo aos aposentados chilenos uma média equivalente a cerca de metade do que hoje é pago no Brasil para a grande maioria dos beneficiários.
Os motivos da ineficácia do sistema de capitalização chileno são múltiplos. Além de problemas como redução de taxa de cobertura, riscos de flutuações no mercado financeiro, altos custos administrativos e de transição, dois pontos merecem destaques:
1) As contribuições não serviram apenas para os pagamentos de pensões. A diferença do que era arrecadado e o que era gasto com os benefícios simplesmente era desviado para uma espécie de “poupança nacional”, mantida por empresas privadas. Mas por que obrigar os trabalhadores a destinar parte de seu salário à poupança nacional? É justo que essa arrecadação, que é do trabalhador por direito, sirva para obras de infraestrutura?
2) Um segundo ponto (que poderá ser um agravante em se tratando de Brasil) é que por aqui os sistemas previdenciários administrados pelo Estado e por municípios (INSS, Regimes Próprios) vêm sendo, ao longo dos anos, alvo de desvios de finalidade, fraudes e sonegações das mais variadas formas. Sob essa ótica, a questão que envolve a confiabilidade é um agravante para o Brasil, que não tem na figura do Estado um bom guardião do bem público.
A privatização do sistema chileno também resultou no aumento da pobreza e da desproteção social. Pelo que se vê das experiências internacionais, o sistema de capitalização não é suficiente para enfrentar as demandas da população, especialmente diante de médios e baixos rendimentos, tornando de extrema importância a compensatória figura do Estado.
Por isso, ao se analisar modelos de reforma, como o do Chile, e até mesmo o argentino, conclui-se que os objetivos econômicos tiveram grande influência na formulação dos projetos de reforma. Durante o período ditatorial, os chilenos não tiveram oportunidade de debater propostas. O autoritarismo e a repressão facilitaram o processo de instalação das administradoras de fundos de pensão no país. Hoje o povo está indo às ruas pedindo o retorno do modelo de repartição solidário, com financiamento tripartite dos trabalhadores, empresários e Estado.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) – de 1981 a 2014 -, 30 países privatizaram total ou parcialmente suas pensões públicas obrigatórias. A partir de 2018, 18 países reverteram as privatizações. Ainda segundo a OIT, e em contrapartida, o fortalecimento do seguro social público, associado a pensões solidárias não contributivas, melhorou a sustentabilidade financeira dos sistemas previdenciários, tornou os direitos previdenciários melhores e mais previsíveis.
A responsabilidade dos Estados de garantir a segurança de renda na velhice é mais bem alcançada com o fortalecimento dos sistemas públicos de previdência.
É fatual que qualquer mudança para um sistema de capitalização terá um custo social e fiscal muito elevado. E isso tem que ser levado à mesa de discussão. Mas haverá espaço para a interlocução entre governo e sociedade a partir de 2019? E a sociedade estará unida em defesa dos seus direitos? Ou, mesmo com medidas de contracensossociais, dirão “amém” para as decisões do futuro presidente?