Fonte: Estado de Minas DR Denise Rothenburg LC Luiz Calcagno
Embora tenha repetido que seu governo não negociará cargos, Bolsonaro deverá se render, ao menos em parte, ao velho toma lá dá cá para conseguir aprovar a reforma da Previdência
Brasília – Um líder partidário acostumado às benesses do poder foi ao Planalto dia desses para saber melhor como seria a nova relação do presidente Jair Bolsonaro com o Parlamento. Lá, foi informado por um ministro de que todos os ocupantes de cargos de segundo escalão indicados por políticos seriam substituídos, de forma a acabar com os feudos dos parlamentares nas repartições. O tal líder atravessou a rua e espalhou a notícias entre os comandantes dos partidos na Câmara. Foi um alvoroço e a senha para que o atual governo experimentasse o gosto amargo de uma derrota logo no primeiro mês, o decreto que ampliava o número de pessoas capazes de determinar o sigilo de documentos oficiais.
À exceção do PSL, que é novo no “pedaço”, os partidos que formavam a base do governo Michel Temer são aqueles que agora vão ajudar os atuais ocupantes do Poder Executivo a aprovar as propostas de melhoria do ambiente econômico, leia-se a nova Previdência. E todos têm cargos no segundo escalão. A derrota do decreto mostrou a Jair Bolsonaro que não será possível passar pela prova de fogo da reforma nas aposentadorias sem fazer política com esses partidos. Embora tenha anunciado durante a campanha que só ocuparia a Esplanada dos Ministérios com perfis técnicos, o presidente teve que dar o braço a torcer na tentativa de acelerar a votação do projeto de lei, que definirá a força do Executivo no Congresso e a capacidade de diálogo para governar.
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Bolsonaro tentará fazer um “balance” entre o atendimento aos políticos e o discurso de campanha. Isso passa por uma leva de exonerações, que começou na semana passada, com a demissão de 21 dos 27 diretores regionais do Ibama. Outras virão e em áreas de muito apelo junto às bases eleitorais de deputados e senadores. Na Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), por exemplo, padrinhos como o líder do PP, Arthur Lyra, já foram avisados das exonerações. Porém, depois da derrota, há quem aposte que a leva não será mais tão extensa quanto o governo planejava. No momento, o governo faz o mapeamento de cargos, para avaliar quais oferecerá aos políticos para futuras indicações. Os políticos vão forçar a mão para ver se o presidente desiste de exonerar todos os ocupantes de cargo de segundo escalão.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), por exemplo, já foi feudo do MDB no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nos tempos de Lula, entretanto, os cargos terminaram cedidos ao PR de Valdemar Costa Neto, comandante oculto da agremiação que controlou a pasta. E quem está lá não quer sair de jeito nenhum. O mesmo vale para as regionais da Saúde, em que o PP domina.
Os líderes têm evitado falar abertamente sobre esse tema. Apenas o representante do Democratas na Câmara dos Deputados, o eleito pela Bahia Elmar Nascimento, vem de peito aberto comentar esse tema. Ele trabalha para desmistificar o discurso de “nova política”, e defende a eficiência de parlamentares em escalões do Executivo federal. “Não existe nova e velha política. Existe boa e má política. Se o presidente disser que tem um cargo e pergunta se tem alguém com perfil, temos alguém para indicar”, abre o jogo. “Mas os cargos são do governo federal, que os entrega a quem quiser. Bolsonaro se elegeu sem precisar de partidos”, alfineta.
Cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV), Sérgio Praça faz uma avaliação crítica. “Quanto mais oportunidade para corrupção, mais interesse para o cargo. Disso não há dúvida”, afirma. Segundo o pesquisador, a fiscalização sobre alguns cargos de grande visibilidade é falha. Isso porque a estrutura sob a gestão é muito grande e intrincada. “No caso da saúde, por exemplo, é muito dinheiro e uma política muito complexa, com organizações estaduais e municipais. As oportunidades de fraude são muitas”, reflete.
Ontem, após visitar o presidente no Palácio da Alvorada, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, voltou a admitir que o Congresso deve fazer ajustes na proposta de reforma da Previdência. “Estamos muito seguros da nova Previdência que apresentamos ao Congresso. Agora tem aquela fase de passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e pela Comissão Especial (da proposta). E aí virão os ajustes que o Parlamento seguramente deverá fazer”, disse Onyx.
SUPERÁVIT O presidente usou o Twitter pela manhã também para defender a mudança da legislação previdenciária. Ao comemorar o superávit primário de R$ 30,2 bilhões registrado em janeiro, Bolsonaro afirmou que o Brasil está retomando a trajetória de crescimento e defendeu as reformas como forma de impulsionar a economia do país com atração de novos investimentos. “Nós estamos mudando o Brasil”, escreveu o presidente.
O desempenho positivo do primeiro mês do ano, contudo, é sazonal, conforme destacou o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, na última quarta-feira, dia da divulgação do dado. “É tradicional haver superávit em janeiro. Não se pode tomar o resultado de janeiro como base para o ano”, disse Mansueto. O superávit de janeiro deste ano foi o segundo maior da série histórica iniciada em 1997, perdendo para o mesmo período de 2018 (R$ 30,8 bilhões).
Segundo Onyx, o presidente retoma a sua rotina no Palácio do Planalto hoje, a partir das 14h. A já costumeira reunião ministerial das terças-feiras ocorrerá somente na quinta-feira da semana que vem.