A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, já redigiu e está prestes a lançar uma MP (medida provisória) que busca fazer uma ampla revisão das regras da Previdência.
A proposta do novo governo é dar um passo moralizador em relação à legislação, corrigindo imprecisões e distorções na lei que abrem margem para concessões irregulares de benefícios e mesmo para a corrupção.
Trata-se de ajustes simples, mas com grande efeito financeiro, como impor mais rigor na liberação de benefícios da Previdência rural e estabelecer normas para reaver recursos liberados via decisões judiciais que mais tarde são cancelados no julgamento final da causa.
Cálculos preliminares indicam que essa reestruturação legal abriria espaço para fazer uma economia anual de ao menos R$ 50 bilhões ao longo de uma década.
Essa revisão normativa não depende de emendas constitucionais, mas é considerada radical. Quem teve acesso ao texto diz que as mudanças são mais ambiciosas que as apresentadas na reforma dos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner, que também propunha mudanças legais em normas não incluídas na Constituição.
O grande teste dessa estratégia tende a ocorrer no Congresso Nacional.
Diante das dificuldades para aprovar uma reforma da Previdência, o governo Dilma Rousseff também optou por fazer ajustes de normas via medida provisória, mas encontrou forte resistência no Congresso, que precisa aprovar as MPs para que virem lei.
Entre as propostas enviadas pela petista em 2015, por meio do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, estavam regras mais duras para concessão de pensão por morte e auxílio-doença. As mudanças foram barradas parcialmente pelo Legislativo, e o governo cedeu em vários pontos, reduzindo o alcance fiscal do pacote.
O governo Michel Temer tentou usar um MP para elevar a contribuição previdenciária dos servidores e foi impedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
O pente-fino legal seria um primeiro passo para a reforma. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou nesta terça-feira (1º) que a proposta de reforma da Previdência está “amadurecida” e que equipe de Guedes deve fazer uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro para apresentar a proposta.
Lorenzoni não deu detalhes, mas o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) disse também nesta terça (1º) que a tendência é que seja apresentada uma proposta fatiada, como afirmou Bolsonaro durante o governo de transição.
Segundo Onyx, o presidente deve aproveitar os próximos dias para fazer medidas de “simplificação”, que podem ser anunciadas até o fim da semana.
“Pegar toda essa parafernália de instrução normativa, resolução, portaria ministerial e tirar tudo isso da frente. Porque o Congresso vota uma coisa e a burocracia aqui muda tudo”, afirmou o ministro.
Economistas ouvidos pela Folha consideram que, na área fiscal, o grande desafio do governo de Jair Bolsonaro em 2019 justamente este: preparar o terreno para que 2020 não se transforme numa grande fonte de dor de cabeça.
Neste ano, o rombo nas contas públicas, dizem especialistas, deve ser inferior ao previsto pelo próprio governo, e o teto fixado para os gastos não corre o risco de ser rompido.
A preocupação é fechar as contas dos anos seguintes.
Para isso, caberá a Guedes emplacar reformas estruturais consideradas fundamentais —sendo justamente a da Previdência a grande dívida deixada pelo governo Temer.
“O Brasil é como uma pessoa empregada que tem algum dinheiro para pagar suas contas nos próximos meses, mas compromete mais de 90% do seu orçamento com coisas que não pode cortar e que só crescem”, ilustra Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco.
“O lado positivo é que o sujeito está empregado e tem alguma chance de escapar.”
Os gastos obrigatórios do governo consomem hoje a cerca de 92% dos gastos totais.
“Sobram menos de 10% sobre os quais o governo tem algum controle, mas que são necessários, por exemplo, para tocar a máquina pública”, diz Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco.
Schneider ressalta que a Previdência é a primeira candidata à reforma porque aposentadorias e pensões consomem metade dos gastos obrigatórios e crescem cerca de R$ 20 bilhões por ano.
No total, os gastos com a Previdência encostam nos R$ 750 bilhões —a maior despesa da União, à frente dos gastos com juros, em torno de R$ 350 bilhões.
Em 2019, o governo entra no sexto ano consecutivo com rombo em suas contas (gastando mais do que arrecada), situação sem paralelo em toda a história.
Diante dos sucessivos déficits, a dívida bruta sobe com força desde 2014 e deve encerrar 2019 perto de 78% do PIB (Produto Interno Bruto).
O nível é considerado alto se comparado à média dos países emergentes, ao redor de 55% do PIB.
A previsão do Bradesco é que a dívida cresça moderadamente até 2023, se aproximando de 80% do PIB.
Para estabilizá-la hoje, o banco estima que seria preciso uma economia de cerca de R$ 270 bilhões —ou quase dez vezes o Bolsa Família.
Apesar do cenário preocupante, o quadro fiscal é menos urgente no curto prazo porque se baseia em expectativas de aceleração do crescimento econômico (para 2,5%) e juros e inflação mais baixos, que ajudam a comprar mais tempo.
“O que estamos vendo nos mercados de juros, que são um componente importante da dívida, permite um conforto de seis meses a um ano. Imagine estar nessa discussão fiscal com a taxa Selic a 14%? O governo assumiria tendo que fazer reforma no dia 1º”, diz Honorato, do Bradesco.
No caso do teto de gastos, cortes em subsídios e, em especial, em investimentos do governo —considerados cruciais para a retomada— dão a folga para 2019.
Já o déficit primário do governo central (que exclui o pagamento de juros) deve ficar em R$ 94 bilhões em 2019, segundo o Bradesco. O Itaú prevê rombo de R$ 96 bilhões, ambos abaixo da meta de R$ 139 bilhões do governo.
Com relação ao déficit, Paulo Guedes prometeu zerá-lo durante a campanha de Bolsonaro, algo considerado factível, diz Miryã Neves Bast, economista do Bradesco.
Para isso, basta que o governo consiga arrecadar os R$ 100 bilhões esperados no leilão do pré-sal e opte por usar os recursos para abater o rombo.
“Mas ainda haveria um déficit nos anos seguintes porque as despesas seguem crescendo, ainda que num ritmo menor em razão do teto”, diz Bast.
Além da reforma da Previdência, Schneider, do Itaú, diz que o caminho do equilíbrio fiscal passa pela revisão dos gastos do funcionalismo e do reajuste do salário mínimo, que tem efeito sobre 70% das aposentadorias.
Para Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon, a conjuntura (retomada econômica com juros baixos) pode ajudar as contas, mas reformas terão de ser encaminhadas. “O fiscal deixou de ser questão ideológica para ser apenas lógica.”