A tributação brasileira está na contramão dos países capitalistas relativamente menos desiguais. É tributação extremamente regressiva, porque incide sobre o consumo, não sobre a renda e a propriedade das classes mais abastadas. Não é verdade que a nossa carga tributária seja elevada na comparação internacional. Mas é fato que temos a maior carga tributária, em todo o mundo, que incide sobre o consumo (quase 50% do total), é repassada aos preços das mercadorias e captura parcela maior da renda dos pobres, e parcela menor da renda dos ricos.
Esse caráter regressivo fica evidente pela baixa participação da tributação sobre a renda na carga tributária no Brasil (18,3%), na comparação com a média dos 34 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico-OCDE (média de 34,1%); pela menor participação da tributação do patrimônio na carga tributária no Brasil (4,4%), na comparação com a OCDE (5,5%); em contrapartida, o caráter regressivo da tributação também fica evidente pela elevada participação dos tributos sobre o consumo na carga tributária no Brasil (49,7%), muito acima da OCDE (32,4%).
No caso do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), além da baixa ou nula tributação das rendas do capital, a alíquota máxima praticada no Brasil (27,5%) é bem inferior à média da OCDE (43,5%); e sua participação na arrecadação total é quase quatro vezes menor.
Em 2018, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal - ANFIP juntamente com a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital - FENAFISCO apresentaram para o debate público dois documentos realizados no âmbito do projeto “Reforma Tributária Solidária”. O primeiro realiza amplo diagnóstoco. O segundo apresenta propostas para mudar. Os mais de 40 especialistas que formularam os estudos afirmam que “é tecnicamente possível que o Brasil tenha sistema tributário mais justo e alinhado com a experiência dos países mais igualitários, preservando o equilíbrio federativo e o Estado Social inaugurado pela Constituição de 1988”.
As simulações mostram que é possível ampliar a progressividade, dado que se pode quase duplicar o atual patamar de receitas da tributação da renda, patrimônio e transações financeiras, de R$ 472 bilhões para R$ 830 bilhões (incremento de R$ 357 bilhões), cerca de 3,5 vezes mais que a economina da “Nova Previdência”.
Desses R$ 357 bilhões de receitas potenciais, R$ 157 bilhões - quase 1,5 vez mais que a economina da “Nova Previdência” - seriam obtidos por mudanças no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), por meio da revogação das diversas modalidades de isenção das altas rendas combinadas pela implantação de Nova Tabela Progressiva para o IRPF. Nessa nova tabela, 38,55% dos declarantes ficariam isentos do IRPF, 48,70% seriam desonerados e 10,02% manteriam a alíquota atual. A tabela elevaria a tributação para apenas 2,73% dos declarantes, cerca de 750 mil contribuintes, que recebem mais de 40 até 60 salários (1,42% do total de declarantes) e entre 60 e mais de 320 salários mínimos mensais (1,31%).
O projeto Reforma Tributária Solidária também alerta que há dois mecanismos crônicos e históricos de transferência de renda para as camadas mais privilegiadas que não podem ser ignorados no debate sobre as reformas tributária e previdenciária: as renúncias fiscais e a sonegação. É preciso uma profunda revisão nas isenções tributárias, pelas quais o governo federal (mas também estados e municípios), anualmente, abre mão e deixa de arrecadar cerca de 20% de suas receitas. Em 2017, o montante de isenções totalizou R$ 406 bilhões, mais de quatro anos de 'economia' da "Nova Previdência".
Também é necessário impor combate implacável à sonegação de impostos, estimada em cerca de R$ 500 bilhões anuais, quase cinco anos de 'economia' da "Nova Previdência". A sonegação deve ser tratada como crime. Mas deixou de o ser em 1995, quando a legislação (Lei nº 9.249) trouxe a possibilidade de se extinguir a punibilidade do agente, nos crimes tributários, caso o pagamento do tributo tenha sido feito antes do recebimento da denúncia. Também é preciso acabar com a prática do "refinanciamento", que premia sistematicamente os sonegadores, com programas de parcelamento de débitos.
É imprescindível que se faça uma revisão criteriosa das renúncias fiscais, além de dar combate sem trégua à sonegação. Em conjunto, esses recursos – que são transferidos para as camadas mais abastadas e, desse modo, aprofundam o caráter regressivo da tributação – totalizam, aproximadamente, 12,8% do Produto Interno Bruto (PIB), montante superior ao dispêndio da Seguridade Social (11,3% do PIB) que a "Nova Previdência" planeja destruir.
É fácil “simplificar” tendo-se o Estado Social como variável de ajuste, mas é falsa simplificação, e simplificação insuficiente, porque o Estado Social tem papel central na redução das desigualdades de renda no Brasil.
A Reforma Tributária Solidária simplifica a tributação e, ao mesmo tempo, preserva o Estado Social e amplia a progressividade. O Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), de competência estadual, a ser implantado por legislação nacional, simplifica sobremaneira o atual quadro “caótico, ultrapassado e oneroso”, caracterizado por uma parafernália de normas: 27 leis estaduais (ICMS) e 5.570 leis municipais (ISS).
O estudo também conclui que é tecnicamente exequível preservar as bases de financiamento da Seguridade Social, ampliando-se sua progressividade, mediante a elevação dos tributos que incidem sobre a renda (de 0,75 para 1,92% do PIB) e sobre as transações financeiras (de zero para 0,59% do PIB), e a redução das que gravam o consumo (de 4,55% para 2,71% do PIB) e a folha de pagamentos (de 5,65% para 4,94% do PIB).
A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social acredita que a Reforma Tributária Solidária é uma alternativa acertada à Reforma da Previdência. Se, de fato, o país estivesse na iminência de "quebrar", não seria o caso de se priorizar, com urgência, a Reforma Tributária, que tem potencial de arrecadação fiscal muito superior à tal suposta economia que adviria da "Nova Previdência"? Por que penalizar os mais pobres (beneficiários do RGPS, do BPC e do Abono Salarial), se há alternativa de se arrecadar mais e, ao mesmo tempo, fazer justiça fiscal e social?