Por Vladimir Nepomuceno (*)
O governo Bolsonaro apresentou ao Congresso Nacional sua proposta de reforma da Previdência, alegando a necessidade de combate a privilégios. Para isso, propôs unificar as regras entre servidores públicos e trabalhadores da inciativa privada. Na verdade, a proposta tem como pano de fundo a retirada das regras de previdência da Constituição Federal, remetendo para lei, ainda a ser encaminhada e talvez aprovada. Essa desconstitucionalização das regras previdenciárias traz os verdadeiros objetivos dessa reforma. Em primeiro lugar, caso aprovada, essa transposição da Constituição para lei, ainda que lei complementar, permitirá que as regras previdenciárias futuramente possam ser novamente alteradas pelo Congresso, só que de maneira mais fácil, com a exigência de um quórum mais baixo do que para a aprovação de uma emenda constitucional. O outro motivo, o mais importante para a política do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, é a remissão para uma lei complementar da criação e implantação de um novo sistema unificado de previdência baseado na capitalização individual para os novos trabalhadores, públicos e privados, urbanos e rurais. Esses são os reais e únicos objetivos da reforma proposta.
Até a implantação do que o atual governo chama de “Nova Previdência”, haverá a necessidade, para o governo, de criação das condições para o gradativo fim da Previdência com caráter social e solidário e a implantação e fortalecimento de um novo sistema de previdência, com caráter privado e individual, sem a preocupação com a sustentação de todos os trabalhadores por toda a sociedade.
Na tática de ganhar apoio no Congresso e aceitação pela sociedade, o governo ataca os servidores públicos das três esferas de governo, pondo-os em situação de confronto com outros trabalhadores, como se os servidores fossem os vilões da alegada incapacidade de governos em cumprir suas obrigações previdenciárias e de investimentos produtivos. Mas o que se vê é a unificação dos atuais regimes previdenciários (Regime Geral e regimes próprios) por baixo com a retirada de direitos de trabalhadores de ambos regimes e dificultando a todos os trabalhadores, públicos e privados terem acesso a benefícios, principalmente aposentadorias, além de majorar contribuições, sem sequer mencionar as demais fontes de custeio do sistema.
Considerando o ataque frontal aos servidores públicos dos três Poderes das três esferas de governo, destacamos alguns pontos da reforma a serem observados e considerados pelo conjunto do funcionalismo público.
Aposentadoria
Implantação da regra de pontos 86/96, para quem desejar se aposentar em 2019. A idade mínima sofrerá elevação gradativa para atingir 57 anos para mulheres e 62 anos para homens, em 2022. Além disso, a regra de pontos eleva anualmente a pontuação necessária até chegar em 100 pontos para mulheres e 105 pontos para homens, podendo ainda sofrer majoração a depender do aumento da expectativa de sobrevida.
Garantia de integralidade (benefício igual à última remuneração) e paridade (reajuste concedido como se na ativa estivesse) para os servidores que ingressaram até 31 de dezembro de 2003. Para os servidores que ingressaram de 1º de janeiro de 2004 até 3 de fevereiro de 2013, será pago o equivalente à média das 80% maiores remunerações, sendo reajustado pelo índice oficial de inflação (INPC). Já os servidores que ingressaram depois desse período, teriam seus benefícios também calculados com base na média das 80% maiores remunerações, mas limitados pelo teto do RGPS, por força da implantação do regime de previdência complementar.
Para os servidores que ingressaram a partir de 2004 e que não aderirem à nova regra a ser criada pela reforma, os proventos serão calculados a partir de 60% da média de contribuição de todo o período, incluindo qualquer outro regime previdenciário que o servidor tenha participado , acrescidos de 2% do tempo de contribuição que exceder a 20 anos de contribuição. Os proventos seriam reajustados pelos mesmos critérios do RGPS.
Exigência de vinte anos de efetivo exercício no serviço público, e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria.
Professores
Para os que comprovarem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, será exigido, na data de promulgação da Emenda Constitucional, 51 anos de idade, se mulher, e 56 anos de idade, se homem, com 25 anos de contribuição para as mulheres, e 30 anos de contribuição para os homens. A partir de 1º de janeiro de 2020, esses limites serão elevados em um ano de idade para ambos. Na data de promulgação da Emenda será exigida também a pontuação (soma de idade com tempo de contribuição) de 81 pontos para as professoras e 91 pontos para os professores. A partir de 2020 haverá majoração de 1 ponto a cada ano, até atingir 95 pontos para mulheres e 100 pontos para homens.
Policiais, agentes penitenciários ou socioeducativos
Quanto aos servidores policiais, para os que tenham ingressado antes da promulgação da Emenda será exigido, cumulativamente, o mínimo de 55 anos de idade para ambos os sexos, com 25 anos de contribuição para mulheres e 30 anos de contribuição para homens. Também será exigido 15 anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher, e 20 anos, se homem.
A partir de 2020 o tempo de contribuição do servidor policial será acrescido em 1 ano a cada dois de efetivo exercício, até atingir 20 anos para policiais mulheres e 25 anos para homens. Em caso de aumento na expectativa de sobrevida, a idade mínima deverá ser majorada por lei complementar.
Para os agentes penitenciários ou socioeducativos, será exigida a idade mínima igual a dos policiais, 55 anos, sendo que o tempo de contribuição mínimo exigido será de 25, também para ambos os sexos. A partir de 2020 haverá um acréscimo em um ano para cada dois de efetivo exercício, até atingir 25 anos para homens e mulheres.
Aposentadorias especiais
Para servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, também será aplicada a regra de pontos, com exigência mínima de 86 pontos para ambos os sexos, cumulativamente com 25 anos de serviço público e cinco anos no cargo efetivo. A partir de 2020, a pontuação será acrescida de um ponto a cada ano, até atingir o limite de 99 pontos em atividade especial, junto com 25 anos de efetiva exposição e contribuição.
Servidores com deficiência
Será considerado o tempo de contribuição proporcional à gravidade da deficiência, sendo, para a deficiência considerada leve, 35 anos de contribuição, considerada moderada, 25 anos de contribuição e considerada grave, 20 anos de contribuição. Cumulativamente será exigido ainda 20 anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se der a aposentadoria.
Pensão por morte
No caso de pensão por morte, a taxa de reposição do benefício, com a reforma, será de 50%, mais 10% adicional por dependente. Assim, com apenas um dependente, a pensão será equivalente a 60% do valor do benefício do servidor falecido. Para o caso de dois dependentes, o benefício será de 70% do benefício e assim sucessivamente, até o limite de 100% do valor do benefício da pessoa falecida, em caso de haver cinco dependentes, ou mais.
Na hipótese de óbito de servidor em atividade, as cotas serão calculadas sobre o valor dos proventos a que o servidor teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito.
Para os casos de morte causada por acidente de trabalho, doenças profissionais ou do trabalho, a pensão será correspondente ao valor integral da remuneração do servidor, limitado ao teto do Regime Geral, acrescido de 70% da parcela que exceder esse limite.
Para pensões já concedidas não haverá alteração. No caso de dependentes de servidores que ingressaram antes da criação do regime de previdência complementar, o benefício será calculado sem limitação ao teto do Regime Geral.
Contribuição
Além de ser proposta a retirada da Constituição Federal, remetendo a uma futura lei complementar dispor sobre financiamento, arrecadação, aplicação e utilização dos recursos, dos benefícios, da fiscalização dos regimes próprios dos servidores, o governo propõe o aumento da alíquota de contribuição, passando dos atuais 11% para 14%, com variação progressiva para os servidores da União, sem nenhuma relação com o benefício a ser recebido quando da aposentadoria, podendo ser ainda maior, a depender da comprovação de um déficit atuarial do ente federado, no caso de servidores de estados e municípios.
Abono permanência
Será mantido aos que atualmente a ele fazem jus e que continuarem em atividade, permitindo aos entes federativos estabelecerem condições para a continuidade de pagamento até o limite da contribuição do servidor ao RPPS. Até a implantação será devido o abono equivalente ao valor da contribuição individual.
Todas as situações elencadas acima são válidas para os servidores que não optarem pelo regime de capitalização, quando implantado.
Por fim, constata-se que em nenhum momento é apresentada alguma proposta para uma reforma que permita a evolução dos sistemas atuais de previdência e que atenda às necessidades e à proteção dos trabalhadores do serviço público quando de sua aposentação. Muito pelo contrário, o que se apresenta é, como dito no início, a retirada de direitos e um aumento gritante das dificuldades para que os servidores tenham acesso aos benefícios. Junta-se a isso a majoração das alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores sem que tivesse sido apresentado qualquer estudo atuarial, nem contrapartida da administração pública. Está claro que, sem a proteção da Constituição Federal, em um futuro muito breve os servidores que permanecerem nos regimes próprios correm o risco de ver nova majoração de contribuições, uma vez que, com a implantação do novo regime nenhum dos novos servidores deverá contribuir para o financiamento dos regimes próprios. O resultado será que, se aprovada a proposta do governo, os atuais regimes previdenciários de servidores em pouco tempo estarão insolventes pelo estrangulamento, consequência de uma decisão política deliberada.
(*) Consultor e assessor de entidades sindicais de servidores públicos.